16 Dezembro 2021
“A tradição islâmica fala sobre o raqib, o observador, um anjo que protege a humanidade por toda a vida. Os lamas budistas ensinam que os devas são anjos, seres etéreos que aplaudem nossa bondade, regozijam-se quando estamos bem e fazem chover flores sobre nós quando lutamos por toda a vida. No judaísmo, o anjo Lailah protege as mulheres grávidas à noite, serve como anjo da guarda para todos na vida e guia suas almas em seus caminhos para o céu. Os cristãos acreditam, como disse o Papa Francisco em 2014, que “ninguém anda sozinho e nenhum de nós pode pensar que está sozinho”. E ele reconheceu que a voz de nosso anjo da guarda está sempre dentro de nós, sussurrando sabedoria e conforto durante nossos momentos de angústia”, escreve Christopher de Vinck, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 11-12-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Meu irmão Oliver morreu há 41 anos de pneumonia nos braços da minha mãe. Depois de dar banho na cama com esponja por 32 anos, depois de alimentá-lo com colher por 32 anos, depois de puxar a cortina todas as manhãs para que o sol não queimasse sua pele macia, Oliver deu seu último suspiro e minha mãe sussurrou: “Adeus meu anjo”.
Quando eu era menino, era meu trabalho dar a janta para Oliver: um ovo cru, cereal para bebês, açúcar e um purê de banana dentro de uma tigela de cerâmica vermelha que meu pai ganhou um Natal cheio de pudim de ameixa. Nunca precisei de um relógio, pois tive a sensação instintiva de que era hora de alimentar Oliver, e nunca perdi. Se eu estivesse jogando beisebol no gramado da frente no verão ou descendo a colina do vizinho de trenó no inverno, de repente gritava: “Tenho que ir! Tenho que dar a janta para o Oliver!”, e abandonava a minha posição na terceira base, ou pegava meu carrinho e corria para casa.
Oliver estava cego. Uma vez eu duvidei que ele não pudesse ver, pensando que talvez ele estivesse fingindo, então eu me aproximei dele e acenava com a minha mão bem em frente a seu rosto. Ele nunca piscava.
Oliver não conseguia falar, ler ou cantar. Os médicos, depois de muitos testes, convenceram meus pais de que Oliver não tinha intelecto, nenhuma maneira possível de aprender nada devido aos graves danos cerebrais sofridos antes de nascer.
Meu irmão ficou deitado de costas na cama por 32 anos. A cama dele estava encostada na parede amarela, e meu pai construiu uma grande porta de vaivém do outro lado para que Oliver não rolasse para fora. Ele nunca se moveu. Ele era rolado para frente e para trás e banhado a cada dia. Ele nunca teve uma escara.
Nunca sabemos como as tristezas do passado nos influenciarão no futuro. Quando Oliver nasceu, meus pais ficaram arrasados. A cada dia que passava, eles aprendiam mais e mais sobre as aflições de Oliver: incapaz de levantar a cabeça, incapaz de mastigar, andar ou crescer para ser o presidente dos Estados Unidos. Então, em vez disso, eles simplesmente escolheram chamar Oliver de filho e escolheram amá-lo.
Por causa dessa única decisão, recebi um anjo da guarda e só percebi muitos anos depois.
Gostei de ver como meu pai cortou e penteou o cabelo do Oliver com delicadeza. Gostei de ajudar minha irmã a carregar Oliver para a banheira. Eu gostava de apoiar Oliver com minha mão atrás de sua cabeça enquanto gentilmente tocava a borda do copo em seus lábios e observava enquanto ele bebia lentamente o leite frio.
Oliver aprendeu a fazer duas coisas: erguer os braços tortos para cima e para baixo e rir. Isso é tudo. Às vezes, no meio da noite, eu podia ouvir sua risada descontrolada ecoando pelo corredor. Minha avó costumava dizer que Oliver estava rindo com os anjos.
Frequentemente, quando estou cansado após um longo dia, esfrego meu rosto e penso nos profundos olhos castanhos de Oliver. Quando eu sirvo uma tigela de cereal pela manhã antes de sair para o trabalho, sempre penso na tigela vermelha de Oliver que carreguei para o quarto dele todos aqueles anos quando menino.
Lembram-se daquele filme “Melhor é impossível”, onde Melvin, interpretado por Jack Nicholson, diz para Carol, a garçonete, interpretada por Helen Hunt: “Você me faz querer ser um homem melhor”?
Oliver me tornou um homem melhor. Fui pai, professor e escritor durante toda a minha vida. Por causa da impotência de meu irmão, ele me ensinou como ajudar crianças necessitadas. Por meio de seu silêncio, ele mostrou como ser poeta. Através da fome de Oliver, ele me mostrou, como Merlin, como misturar a vida em uma tigela vermelha. Oliver era meu anjo da guarda.
A tradição islâmica fala sobre o raqib, o observador, um anjo que protege a humanidade por toda a vida. Os lamas budistas ensinam que os devas são anjos, seres etéreos que aplaudem nossa bondade, regozijam-se quando estamos bem e fazem chover flores sobre nós quando lutamos por toda a vida.
No judaísmo, o anjo Lailah protege as mulheres grávidas à noite, serve como anjo da guarda para todos na vida e guia suas almas em seus caminhos para o céu.
Os cristãos acreditam, como disse o Papa Francisco em 2014, que “ninguém anda sozinho e nenhum de nós pode pensar que está sozinho”. E ele reconheceu que a voz de nosso anjo da guarda está sempre dentro de nós, sussurrando sabedoria e conforto durante nossos momentos de angústia.
Eu gostaria que o mundo pudesse esfregar uma esponja na pele tenra de Oliver, e alimentá-lo com a tigela vermelha, e dar-lhe leite. Eu gostaria que todos nós pudéssemos ficar na porta de seu quarto juntos, como uma civilização à meia-noite, durante esses momentos de angústia, e ouvir Oliver rir.
Na lápide de meu irmão no mosteiro beneditino em Weston, Vermont, minha mãe escreveu: “Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus”. Que o seu anjo da guarda o ajude a ver Deus, Alá, Buda, Abraão, Cristo. Que todos possamos dormir em paz e rir à meia-noite.
George Eliot, em seu romance Silas Marner escreveu: “Antigamente, havia anjos que vinham e pegavam os homens pela mão e os levavam para longe da cidade da destruição. Não vemos anjos de asas brancas agora”.
Talvez Oliver pudesse guiar todos nós para fora das cidades de destruição neste Natal. Eu gostaria de poder carregar Oliver para Belém, para Meca, para o Muro das Lamentações, para o Buda, para o templo, mesquita e igreja e ter o mundo tocando a mão de Oliver.
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O que aprendi com meu anjo da guarda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU